Três ou quatro anos
Por Alice Vieira
Nestes últimos tempos tem-se falado muito de cancro. Ainda há poucos dias houve um enorme documentário sobre o assunto na televisão.
Eu tive um cancro da mama. Fui operada e quando saí do hospital fui falar com o médico e — como sou sempre muito prática — perguntei-lhe quantos anos teria mais de vida. Ele evitou dar-me a resposta, que era difícil de dizer, mas depois lá me disse que o meu corpo estava cheio de metástases, que eles tinham tirado o que podiam, mas tinha sido pouco. Por isso eu não teria mais que dois ou três anos de vida.
“Vão ser os melhores três anos da minha vida!”— disse eu.
Despedi-me do “Diário de Notícias” — e fui viajar por esse mundo fora — França, Itália, Alemanha (estava em Berlim na altura da Queda do Muro) — mas depois… 3 anos… 4 anos… 5 anos… o dinheiro já me começava a faltar e tive de voltar
Regressei ao “Diário de Notícias” e voltei ao trabalho — mas sempre pensando “não foram 3, 4 anos, mas se calhar daqui a uns anos o cancro fica novamente mal e tenho de voltar a ser operada”.
Pensei isso durante alguns anos.
Mas agora já não penso. Porque já se passaram 36 anos.
E ainda hoje o médico que me deu 3 anos de vida diz: “não percebo, juro que não percebo, o seu corpo estava cheio de metástases, um colega meu que estava ao pé de mim, disse o mesmo!!”
Eu também não percebo.
Mas a verdade é que estou cá.
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira